
Sessão “Crash Courses” da Smart Health Subcluster

25 Julho 2025
No passado dia 9 de julho, teve lugar a sessão “Crash Courses” da Smart Health Subcluster, uma iniciativa promovida pelo Health Cluster Portugal (HCP) no âmbito desta rede informal, que visa dinamizar a colaboração e o networking entre os diferentes players do ecossistema da saúde.
Esta sessão teve como objetivo apresentar conceitos-chave sobre temas na ordem do dia, cobrindo diferentes fases do desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias na área da saúde digital, desde a sua ideação, desenvolvimento, certificação e implementação clínica, até estratégias para garantir a sua sustentabilidade financeira através de programas de financiamento europeu ou de capital privado (Venture Capital).
Do conceito à certificação: desenvolver com qualidade
A sessão abriu com o tema “Do Conceito à Certificação: Como Desenvolver Soluções de Saúde Digital com Qualidade”, com a participação de Maria João Marques (Head of Clinical Research & Development Unit, 2CA-Braga) e Miguel Amador (Founder & Chief Innovation Officer, Complear).
Maria João Marques reforçou a importância da fase de ideação e planeamento de novas soluções, destacando a relevância da evidência clínica, a aplicação de boas práticas de investigação, e o envolvimento dos stakeholders desde o início. Sublinhou ainda a necessidade de documentar todo o processo de desenvolvimento como base para a validação e certificação.
Miguel Amador abordou as exigências regulamentares e a certificação de software com finalidade médica, quer para benefício individual, quer como apoio ao diagnóstico, prevenção ou tratamento, enquadrando-os como dispositivos médicos. Foi também destacada a intersecção entre saúde digital e inteligência artificial (IA), alertando para a possibilidade de um software ser regulado simultaneamente pelos regulamentos de dispositivos médicos e de IA.
Como estão estas soluções a impactar os cuidados?
Seguiram-se duas sessões dedicadas à implementação prática das soluções digitais e à transformação dos modelos de prestação de cuidados:
“Modelos em Transformação: A Nova Era da Prestação de Cuidados de Saúde”, com Ana Luís Pereira (Co-Founder & CEO, Healthy Smart Cities), abordou a evolução dos modelos assistenciais em Portugal, destacando as Unidades de Saúde Familiar (USF) e exemplos como a hospitalização domiciliária. Foi referido que, apesar de avanços pontuais, a adoção em larga escala de tecnologias digitais ainda enfrenta vários desafios. O modelo alemão de reembolso para aplicações digitais, por exemplo, mostra baixa adesão por focar apenas no aspeto financeiro, sem considerar o modelo de prestação de cuidados como um todo.
“Unidades Locais de Saúde: Reestruturação e Adoção Digital no Terreno”, com Joana Seringa (International Health Project Manager, ENSP NOVA), refletiu sobre a expansão das ULS de 8 para 39 em 2024, cobrindo quase toda a população de Portugal continental. Esta reestruturação representa uma oportunidade única para acelerar a digitalização dos cuidados, promovendo a interoperabilidade dos sistemas de informação, gestão populacional baseada em dados e respostas personalizadas em saúde pública. Contudo, foi alertado que atualmente os dados gerados estão subaproveitados, com o foco excessivo nos registos clínicos eletrónicos oficiais, negligenciando os dados reportados pelos próprios cidadãos, essenciais para decisões clínicas e estratégicas em tempo real. Foi ainda apresentado o exemplo da ULS de Coimbra como modelo de sucesso, pela sua abertura à inovação e colaboração com universidades e parceiros tecnológicos. Contudo, a adoção de soluções digitais ainda varia significativamente entre ULS, devido à baixa literacia digital dos profissionais, aversão ao risco, fracos processos de gestão da mudança e ausência de ambientes de experimentação segura.
A ENSP NOVA está atualmente a desenvolver um modelo de avaliação da maturidade digital das ULS, com vista à formulação de recomendações específicas para a sua evolução sustentada.
E o financiamento?
A temática do financiamento foi abordada em duas sessões complementares:
“Financiamento Europeu para a Saúde Digital”, com Ana Rita Pinto (Delegate & National Contact Point – NCP para o setor da Saúde, AICIB), apresentou o papel dos NCPs, que representam a comunidade nacional junto da Comissão Europeia e apoiam as entidades na preparação de candidaturas. Foram destacadas oportunidades no programa Horizon Europe, sobretudo no Cluster Saúde e nas parcerias Innovative Health Initiative (IHI), EP PerMed e Transforming Health and Care Systems (THCS). Foi também apresentado o Programa Europa Digital, focado no reforço da soberania tecnológica europeia nas áreas de IA, cibersegurança, competências digitais e infraestruturas de dados e cloud.
“Atrair Capital Privado: Oportunidades com Venture Capital e Business Angels em Saúde Digital”, com Rita Vilas-Boas (Startup Investor, Mentor, Advisor), explorou o panorama de investimento em Portugal e na Europa. Foi referido que o ecossistema nacional é pequeno e que as VCs locais têm baixa especialização em saúde digital. Destacou-se o exemplo da Sword Health, que protagonizou o maior investimento em saúde digital em Portugal no último ano. Foram ainda partilhadas boas práticas de investimento e o papel de relatórios da Armilar como fonte útil de informação para startups.
Segundo Rita Vilas-Boas, os investidores procuram projetos escaláveis, com equipas resilientes e alinhamento com tendências de mercado, que garantam rentabilidade e viabilidade para rondas de financiamento futuras. Reforçou ainda que o timing e a imagem contam e que os fundos europeus podem ser uma alternativa ao capital privado tradicional, permitindo avançar sem perda de equity.
A sessão “Crash Courses” demonstrou, uma vez mais, o papel crucial da colaboração entre os diferentes stakeholders do ecossistema da saúde para impulsionar a inovação e acelerar a transição digital do setor.
Q&A: Questões em destaque
Durante a sessão de perguntas e respostas, foram levantadas várias reflexões relevantes:
ISO 13485 e responsabilidade do fabricante legal: A responsabilidade pela certificação cabe ao fabricante legal, mesmo que este não seja o desenvolvedor direto. Este garante que todos os intervenientes cumprem os requisitos de qualidade exigidos.
Adesão dos pacientes à telemedicina: É essencial criar confiança, comunicar claramente os benefícios e riscos, e garantir tempo e equipas dedicadas à sua implementação. A formação em saúde digital é um fator crítico para o sucesso.
Capitação ajustada pelo risco nas ULS: Este novo modelo pode estimular a eficiência via transformação digital, mas a sua implementação ainda é desigual. Espera-se que ganhe força com o amadurecimento dos processos de integração dos cuidados.
Startups portuguesas e acesso a investimento: Apesar de boas ideias, muitas startups não conseguem investimento por falta de contacto com os investidores certos. A burocracia nacional e a centralização também são entraves. O financiamento europeu surge como solução alternativa.
Competitividade europeia e retenção de talento: O desafio consiste em atrair investimento e reduzir a burocracia. Mudanças geopolíticas poderão, inclusive, impulsionar o investimento americano na Europa.
Desafios para levantar rondas maiores: A maioria dos VCs depende de fundos públicos e tem dificuldade em atrair investidores privados internacionais. Faltam VCs com capacidade de ponte global, que funcionem como "olheiros" para mercados externos.